47

Decisões e milagres: Agora vejo

Um registro original deste discurso está disponível em churchhistorianspress.org (cortesia do registro da conferência das mulheres da BYU).







Conferência das mulheres da Universidade Brigham Young

Edifício N. Eldon Tanner, Universidade Brigham Young, Provo, Utah

27 de abril de 2059


Irina Valentinovna Kratzer (nascida em 1965) passou seus primeiros sete anos em Kazan, Rússia, com seus pais, Minareta Kotova e Valentin Kotov, sendo eles médicos.1 A família, então, mudou-se para Barnaul, Sibéria, onde Irina estudou medicina e se tornou cardiologista.2 Ela se casou com um cirurgião e tiveram uma filha, Anastasia Davydova.3 A medicina não era um campo lucrativo, passavam-se meses sem que o hospital fizesse algum pagamento.4 Depois de se divorciar de seu marido abusivo em 1996, Irina relatou se sentir exausta e sem esperança enquanto trabalhava horas extras à noite tentando sustentar sua mãe e filha com salário baixo. Às vezes, seus pacientes lhe agradeciam trazendo leite ou alimentos como presentes.5 Ela e sua mãe também cultivavam alimentos na casa de campo de seus pais, uma casa pequena a uma distância de três horas de ônibus e bonde.6 Irina havia sido criada em um ambiente fortemente ateu e não acreditava em Deus. No entanto, certa noite, ela arriscou um pedido: “Tudo bem, Deus, se Tu estás aí, avisa-se, porque provavelmente Tu nem Te importa comigo. Quem sou eu para Ti, uma coisinha aqui tentando sobreviver?”7

Poucas semanas depois, em agosto de 1996, Irina conheceu um homem que a apresentaria à Igreja e a ajudaria a viajar para os Estados Unidos para estudar inglês. Nos Estados Unidos, ela não apenas teve que aprender a terminologia médica em outro idioma, mas teve que aprender novas tecnologias e métodos diferentes para a medicina. Ela fez um curso de preparação para um exame e estudou 12 horas por dia durante três meses para o primeiro de seus quatro exames da junta examinadora. Ela foi a única pessoa de sua classe a passar no primeiro exame. Oito meses após sua chegada em Utah, em abril de 1998, Irina se casou com Tay Kratzer. Tay tinha três filhos pequenos na época de seu casamento. Anastasia, filha de Irina, tinha ficado com a avó na Sibéria e, um dia depois de seu casamento, a família Kratzer preencheu os papéis para trazer Anastasia para Utah.8

Após seu casamento, Irina decidiu não praticar mais a medicina. Ela era professora em uma Sociedade de Socorro de Orem, Utah, quando foi convidada para falar na conferência das mulheres da Universidade Brigham Young. Seu marido a ajudou a fazer a correção do idioma no discurso a seguir, que ela escreveu em inglês.9

Houve um tempo em minha vida em que fui tocada pelo amor e pela luz de Cristo. Desde aquele momento, minha vida mudou para sempre.

Sei como é viver sem o evangelho. Vivi dessa maneira por 30 anos. Nasci na Rússia de bons pais. Eles me deram amor e cuidado e uma oportunidade de ter uma boa educação. Eles deram o melhor de si para que eu fosse feliz. Durante a maior parte de minha vida, morei na Sibéria. Quando cresci, me casei e dei à luz uma menina adorável. Logo me formei com sucesso na universidade e consegui um emprego de que gostava muito. E, no entanto, independentemente de tudo, eu estava longe de ser feliz.

Desde o início, meu casamento parecia estar dando errado e gradualmente se desfez. A situação econômica na Rússia estava cada vez pior. Eu mal conseguia prover comida simples para mim e minha filha. Pequei. Fiz uma escolha errada após outra. A fome, a depressão e as decisões erradas tornaram minha vida miserável. Eu culpava a má sorte sem me dar conta de que, em muitos aspectos, eu estava sofrendo as consequências naturais de meus pecados. Mas como eu poderia saber disso? De acordo com o que me ensinaram, o pecado não existia. Deixem-me explicar.

A religião foi proibida na Rússia depois da revolução comunista em 1917.10 Fui ensinada do jardim de infância que não existe Deus e que somente o partido comunista e o vovô Lenin poderiam trazer felicidade ao povo russo.11 As pessoas religiosas eram duramente perseguidas em nossa sociedade. Elas perdiam o emprego, não podiam ir à escola e eram chamadas de “loucas”.12 Todos eram obrigados a ter aulas de ateísmo na universidade, na qual podíamos provar que Deus não existe. Embora ao longo do tempo o socialismo em nosso país tenha perdido o sentido e a ideologia comunista provado não ser viável, o ateísmo ainda vivia na mente das pessoas. Ele também tinha raízes profundas em minha mente. Eu simplesmente não pensava em Deus. No entanto, sentia dor em meu coração por minhas escolhas erradas. Mais tarde fiquei sabendo que a dor que sentia era a luz de Cristo me conscientizando para distinguir o certo do errado.13 Mas a sociedade se opunha aos meus sentimentos de dor. Aos olhos de outras pessoas, eu não estava fazendo nada particularmente ruim.

O élder M. Russell Ballard disse: “Os padrões do mundo têm mudado como as areias do deserto mudam com o vento. O que antigamente não era mencionado ou era inaceitável hoje é comum”.14 Era assim que eu vivia. Se Deus não existe, não existe pecado, se não existe pecado, é somente você quem decide o que fazer com sua vida. Aproveite. Tire o máximo proveito dela. Porque, quando você se for, tudo o mais terá ido também.

No Livro de Mórmon, li essa mesma filosofia ensinada pelo anticristo Corior de que não há “expiação para os pecados dos homens, mas que o quinhão de cada um nesta vida [depende] de sua conduta; portanto, cada homem [prospera] segundo sua aptidão e cada homem [conquista] segundo sua força; e nada que o homem [fizer será] crime”.15

Essa filosofia me atraiu no início, mas, depois de algum tempo, a vida me pareceu como um túnel escuro com apenas a morte no final. Senti que estava morrendo lentamente. Está escrito nas escrituras que os homens existem para que tenham alegria.16 Viemos a este mundo com o instinto de buscar a felicidade, não importa onde vivamos — na Rússia, na África ou na abençoada América. Não sabia orar, então eu sonhava. Sou uma grande sonhadora. Sonhava que um dia fugiria de toda a infelicidade de minha vida e recomeçaria desde o princípio — radiante e feliz. Queria muito que minha filha tivesse uma vida melhor do que a minha. Eu sonhava com a América. De alguma forma, o povo russo e, provavelmente, muitas outras pessoas no mundo, associam a América a uma boa vida, sucesso e felicidade.

Mesmo quando não conhecemos os caminhos de Deus, Ele conhece nosso coração e ouve nossos sonhos. Certo dia, um médico americano aposentado veio visitar minha cidade na Sibéria.17 Seu nome era Dr. Woodmansee, e ele era mórmon de Utah.18 Tudo o que tinha ouvido sobre os mórmons era que eles não bebiam chá preto e café; e isso parecia estranho. Fiquei encarregada de mostrar ao Dr. Woodmansee o hospital onde eu trabalhava. Ao final de nossa visita de 15 minutos, ele me perguntou: “Você iria para a América para continuar seus estudos se eu a ajudasse?” Mais tarde, ele me disse que, ao chegar à Rússia, ele nunca planejou fazer esse tipo de oferta, mas que seguiu uma súbita inspiração do Espírito.

Depois disso, por dez longos meses, eu me correspondi com o Dr. Woodmansee enquanto providenciávamos minha vinda à América. Um conhecido dele, o irmão Ray Beckett, ajudou-nos a nos comunicar por meio da Internet e provou ser o melhor missionário SUD que já conheci.19 Muitas vezes ele compartilhou seu testemunho comigo. Em uma de suas cartas, ele prometeu que minha vinda para a América mudaria minha vida para sempre. Ele viu a mão de Deus sobre o que estava acontecendo em minha vida. Ele também providenciou os meios para enviar meus documentos por meio do sistema de malote da Igreja para que eu pudesse pegá-los no escritório da Missão Novosibirsk, na Sibéria.20 Foi assim que conheci os missionários da Igreja, que me deram um Livro de Mórmon. Eu não estava interessada em ler esse livro e o coloquei em algum lugar na estante. Durante minha próxima visita à casa da missão de Novosibirsk, recebi um exemplar da revista Ensign.21 Eu estava tentando aprender inglês naquela época, então fiquei muito feliz com o presente. Isso me ajudaria em meus estudos de inglês. O primeiro artigo que li foi sobre como o Livro de Mórmon havia mudado a vida de tantas pessoas, trazendo-lhes felicidade e paz. Essas histórias me intrigaram e decidi olhar mais atentamente esse livro.

Foi assim que o Livro de Mórmon entrou em minha vida. Eu lia um capítulo toda manhã antes de ir trabalhar. Ao ler esse livro, aprendi que Deus vive, que Jesus é Seu Filho e que Ele veio à Terra para ajudar os pecadores como eu. Quanto mais eu lia o livro, mais eu via a diferença entre os ensinamentos de Cristo e a maneira como eu vivia. Aprendi que era por isso que minha vida era tão infeliz. Eu estava sofrendo e desejava muito mudar.

Em 1997, o presidente Thomas S. Monson disse: “A decisão de mudar de vida e vir a Cristo é, talvez, a decisão mais importante da mortalidade. Essa mudança drástica acontece diariamente no mundo todo”.22 Naquele momento de minha vida, tive uma nova concepção e um novo entendimento da vida e não podia mais viver como vivia antes. Eu estava pronta para uma mudança drástica. Sempre me lembrarei daquela noite na Rússia em que chorei a noite toda depois de perceber que minha vida não era boa, que minhas decisões erradas tinham magoado as pessoas que eu mais amava. Foi a experiência mais dolorosa de minha vida. Solucei e orei a noite inteira: “Senhor, por favor, me ajude!” No final da noite, eu estava exausta e não tinha mais lágrimas. Quando a primeira luz da manhã surgiu, senti paz e alívio. Ouvi as palavras: “Eis minha mão. Eu a orientarei e conduzirei. Mas você deve Me prometer que vai mudar”. E assim o fiz; prometi. Eu queria essa orientação e ajuda mais do que qualquer outra coisa.

Alma, o filho, contou uma experiência semelhante a seu filho Helamã:

Mas fui torturado com eterno tormento, porque minha alma estava atribulada no mais alto grau e atormentada por todos os meus pecados.

Sim, lembrei-me de todos os meus pecados e iniquidades, (…) e que não guardara seus santos mandamentos. (…)

E (…) enquanto eu estava perturbado pela lembrança de tantos pecados, eis que me lembrei também de ter ouvido meu pai profetizar ao povo sobre a vinda de um Jesus Cristo, um Filho de Deus, para expiar os pecados do mundo.

Ora, tendo fixado a mente nesse pensamento, clamei em meu coração: Ó Jesus, tu que és Filho de Deus, tem misericórdia de mim que estou no fel da amargura e rodeado pelas eternas correntes da morte.

E então, eis que quando pensei isto, já não me lembrei de minhas dores; sim, já não fui atormentado pela lembrança de meus pecados.

E oh! que alegria e que luz maravilhosa contemplei! Sim, minha alma encheu-se de tanta alegria quanta havia sido minha dor.

Sim, digo-te, meu filho, que nada pode haver tão intenso e cruciante como o foram minhas dores. Sim, meu filho, digo-te também que, por outro lado, nada pode haver tão belo e doce como o foi minha alegria.23

Não sabia, naquela noite dolorosa e alegre na Rússia, como as promessas de Cristo são maravilhosas. Não sabia, na época, que em pouco tempo eu viajaria para os Estados Unidos, onde aprenderia mais sobre o evangelho e logo seria batizada. Não sabia que, em menos de um ano desde aquela noite memorável, eu iria me casar com um homem maravilhoso, com três belos filhos, um homem que hoje é tão precioso para meu coração e com quem quero viver para sempre. Não sabia que minha filha se juntaria feliz à nossa família recém-formada nos Estados Unidos. Ah, não sabia, então, como Suas promessas são maravilhosas.

Agora sei o quanto cada alma é importante para Deus. Para que eu fosse batizada, Ele me tirou da fria Sibéria e me colocou na ensolarada Utah para aquecer meu coração com um povo amigável e bondoso. Ele me deu tantos milagres que não tive nenhuma chance de duvidar de Sua mão divina em minha vida. Concordo com o presidente Monson. A decisão de ser batizada era a decisão mais importante de minha vida, e minha conversão foi o maior milagre para mim.

Mas e depois de meu batismo? Os milagres ainda acontecem? É claro que sim! O fato de não conviver mais com o sofrimento, mas com a alegria é o milagre que tenho agora diariamente. Como todas as pessoas, tenho meus dias bons e ruins, mas encontrei a verdadeira felicidade nesta Terra. Eu a estava buscando por 30 anos, mas procurei nos lugares errados, seguindo as orientações do mundo e não conhecendo o Espírito.

Muitos outros milagres, grandes e pequenos, aconteceram em minha vida. E o mais importante é o que aprendi com eles. Em primeiro lugar, aprendi que quase todos os milagres que vivenciei desde meu batismo resultaram da oração e do esforço. Deus exige esforço e fé de nossa parte. Em segundo lugar, aprendi que a fé e o testemunho que adquirimos precisam ser nutridos constantemente. O estudo diário das escrituras nos ajuda a fazer isso. Sem esforço de nossa parte, nosso testemunho se enfraquecerá e os sentimentos de alegria também se enfraquecerão. Se não avançarmos, vamos retroceder. A terceira lição que aprendi foi que, para receber milagres diários, precisamos pedir e depois reconhecê-los quando vierem. Podemos reconhecê-los não só para agradecer a Deus, mas para nos conscientizarmos das maneiras pelas quais Deus nos abençoou. Esse processo desenvolve mais fé.

Agora, em meus sonhos e em minhas cartas, volto para a Rússia, para meus amigos, para as pessoas que amo e lhes pergunto: “Vocês sabem quem são? Vocês sabem de onde vieram? Por favor, ouçam. Ouçam o que aprendi”. A chama arde em minha alma dia e noite. A chama da alegria, do amor, da gratidão. E não posso ficar quieta. Preciso contar ao mundo inteiro o que sei agora. Antes eu estava cega, mas agora vejo. Antes eu vivia nas trevas e agora vivo na luz mais brilhante.

Caminhem com Cristo! Segurem Sua mão! Banqueteiem-se com Suas palavras. Bebam em Sua luz por todos os seus poros, com toda a sua alma. Nos momentos de dificuldades, vocês não serão abandonados em um túnel escuro, mas na luz de Seu amor com a luz mais brilhante, sempre à frente.

Cite this page

Decisões e milagres: Agora vejo, En el Púlpito, accessed 29 de março de 2024 https://www.churchhistorianspress.org/at-the-pulpit/part-4/chapter-47